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As muitas vidas de Freida Wolff

História

História de judia alemã que escapou do nazismo, inventariou a diáspora do povo judeu no Brasil e criou o Memorial Judaico do Museu Vassouras, vira documentário Por Renato Lemos Assim…

Freida Wolff visita Memorial Judaico em 2005

História de judia alemã que escapou do nazismo, inventariou a diáspora do povo judeu no Brasil e criou o Memorial Judaico do Museu Vassouras, vira documentário

Por Renato Lemos

Assim que enfiou na cabeça a ideia que faria um filme sobre Freida Wolff, o paulistano Wilton Weintraub procurou o cineasta Pedro Gorski. Depois de ouvir parte da história da personagem e, principalmente, saber da sua idade à época — Freida tinha 92 anos — o diretor deu o veredito:

— Vamos começar já! É um filme urgente.

Tudo em “As três vidas de Freida Wolff”, o filme que Pedro e Milton conceberam e realizaram, transmite o sentimento de urgência percebido por Pedro. Mesmo que o filme tenha demorado mais de uma década para ser finalizado, mesmo que a protagonista da história não tenha podido assistir, viva, tudo aquilo que inspirou. Freida estava presente em cada um daqueles momentos.

Inquietude, curiosidade e coragem. A vida de Freida — uma alemã que fugiu do nazismo com o marido Egon, se fez como comerciante de material ótico já em território brasileiro e, sobretudo, como historiadora das vidas dos muitos judeus no Brasil — foi vivida sob o signo da urgência. Ela pesquisou, ao lado de Egon, em livros, anuários, almanaques, registros de cemitérios, recortes de jornais, para enfim elaborar uma mistura de inventário e árvore genealógica que retrata os caminhos da diáspora do povo judeu no Brasil. Parte dessa vida (ou dessas muitas vidas) está guardada e estará  à disposição do público no Memorial Judaico do Museu Vassouras.   

— Ela sempre teve uma sede de conhecimento e uma convicção que nenhum governo ou opinião pública era capaz de fazê-la desviar de seus objetivos — analisa Weintraub, que realça a importância do material pesquisado por Freida e Egon. — A presença de judeus no Brasil era proibida pela Coroa portuguesa e pela Igreja Católica, pela atuação dos tribunais do santo ofício conhecidos como inquisição. Apesar disso, durante o século XVI, a maioria dos habitantes de origem europeia eram de origem judaica. Essa proibição perdurou até 1808, com a decretação da abertura dos portos, quando os primeiros imigrantes judeus chegaram ao Brasil oficialmente. Frieda e Egon removeram esse “manto” de esquecimento a que está sujeita a nossa história.

Freida e Egon, em foto de acervo

Parte desse manto cobria Benjamin Benatar em Vassouras. A história de Benatar (narrada em detalhes em matéria anterior neste blog, https://museuvassouras.org.br/historia/a-morte-e-a-morte-de-benjamin-benatar/) pode ser resumida assim: judeu de origem marroquina, chegou a Vassouras na metade do século XIX  onde permaneceu “escondido” em um casamento católico. Na hora da morte, Benatar revelaria suas origens e pediria para ser enterrado como um judeu. A Igreja Católica, proprietária do único cemitério da região, proibiu que ele fosse sepultado lá, mas a Santa Casa de Misericórdia — da qual Benatar era membro — concedeu a ele chance do sepultamento nos jardins do prédio.

Foi lá que, mais de cem anos depois (em 1991, exatamente), Freida o encontrou. E é lá que está o Memorial Judaico, criado por Freida e Egon, com paisagismo de Burle Max (agora atualizado por Marcos Moraes de Sá) hoje parte integrante do projeto do Museu Vassouras.    

— Esse era um lugar a que Dona Freida sempre recorrria. Egon está enterrado lá. Ali ela tinha calma. Possivelmente, o Memorial era o seu lugar no mundo — diz o amigo Luiz Benyosef, que conheceu Freida através dos artigos que ela publicou e das histórias em torno de Benjamin Benatar.

Em “As três vidas de Freida Wolff”, o episódio da descoberta do jazigo de Benatar em Vassouras é o desfecho para uma vida dedicada a rastrear pistas e revelar histórias não contadas. O título é inspirado no livro “Nossas três vidas e outros artigos” publicado pelo casal e que retrata, passo a passo, a vida na Alemanha de Hitler, a fuga para as Américas, suas experiências como estrangeiros no Brasil, o amor pela nova terra e, por fim, a descoberta da vida garimpando outras vidas.

— Ela era muito curiosa e obstinada. Mesmo que não tivessem uma referência religiosa, eles tinham uma referência cultural, era isso que os movia — analisa o diretor Pedro Gorski, que diz ter como referência filmes do cineasta Alan Berliner, documentarista estadunidense que trata temas do judaísmo.

Freida Wolff faleceu em 2008, aos 97 anos. Suas cinzas estão com o amigo Luiz Benyosef e serão, no futuro, entregues à guarda do Memorial Judaico e do Museu Vassouras.

Freida Wolff visita Memorial Judaico em 2007

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