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Um museu de identidades

Cultura

O Museu Vila de Vassouras vai fazer da história, da cultura e da gente do Vale do Café o seu principal acervo

Fachada do casarão do Museu Vila de Vassouras

Vila de Vassouras vai fazer da história, da cultura e da gente do Vale do Café o seu principal acervo

Por Renato Lemos

Entulho, lixo, lama, ferro retorcido, sujeira, barro, cacos, reboco de parede, pau, pedaços de assoalho, barro, pedra, pó e cinzas. O Museu Vila de Vassouras, no alto da praça Barão de Campo Belo, ao lado da Igreja da Matriz, estará assentado no espaço do antigo Hospital da Santa Casa de Vassouras — ou o que sobrou dele.

Erguida em 1853, a construção, nos últimos dez anos, transformou-se em um prédio em ruínas, incendiado, desabado, vandalizado e, enfim, abandonado. Revirar tudo o que sobrou, pedra sobre pedra, pesquisar os registros e remover as camadas para buscar a “alma” do prédio, tudo isso funciona como uma metáfora para a principal vocação do museu: o Vila de Vassouras será um museu da gente do Vale do Café. Nessa missão, toda pedra é fundamental.

As pedras são fundamentais, a história é fundamental, as cinzas, as paredes de pau a pique, as palmeiras, a praça, o memorial judaico, os índios puris são fundamentais, o que foi luxo e o que é lixo, as crenças, as rezas, Mariana Crioula é fundamental, Manoel Congo também, a mata é fundamental, o pinho de riga, as marcas da escravidão, o suor entranhado, a parceria do IPHAN, as fazendas de café, o jongo é fundamental, a folia de reis também é, as noites de seresta, o canto de Clementina, o pré-feminismo de Eufrásia, o sino da igreja, a passagem do tempo, o passado e o futuro, cada telha, cada janela, a resiliência é fundamental. Os sonhos, sobretudo. Tudo que foi, é e será o museu.

— Será um museu de identidades, um museu que pesquise e revele essa mistura de que somos feitos, a nossa nação. O museu estará aberto a muitas e novas experiências, é isso que está diante de nós.  — analisa  o empresário Ronaldo Cezar Coelho, idealizador do museu, proprietário de uma fazenda em Massambará (Vassouras) e um entusiasta das capacidades turísticas e culturais da região — Estamos muito próximos de um público consumidor de cultura, frequentador de espaços culturais, entre o Rio, São Paulo e Minas. O Vale do Café é um destino maravilhoso.

“Será um museu de identidades, um museu que pesquise e revele essa mistura de que somos feitos, a nossa nação” (Ronaldo Cezar Coelho)

Foram seis anos de negociação entre Cézar Coelho e a direção da irmandade de Nossa Senhora da Conceição, proprietária do prédio, tombado em 1986 — até que o negócio foi fechado por um preço seis vezes maior do que a avaliação feita pela Caixa Econômica Federal. Valeu muito a pena. As obras iniciaram em 2018 com o desafio de resgatar a história do casarão e projetar um museu que marque o futuro da região. Antes mesmo da primeira parede ser derrubada, o uso já estava definido:

— Vamos ser um espaço de inspiração, um espaço de arte e educação com um conteúdo fabuloso. Quando as pessoas souberem o que estaremos criando no nosso museu, o que teremos preparado para o público, virão correndo. É um espaço de cultura no alto do centro histórico da cidade, integrado à cidade, é essa a nossa vocação: conversar com a comunidade — diz Cézar Coelho.

Conversando na janela

Vista da janela do museu Vila de Vassouras

As janelas – que permitem que as pessoas sejam vistas de dentro e de fora do prédio – são parte da estratégia de fazer o museu falar com a cidade. Elas estarão na frente da casa (que dá para a praça), pelas laterais e na parte dos fundos, onde será criado um jardim e área de convívio. É através delas que o arquiteto do projeto, Maurício Prochnik, enxerga algumas das funções do museu:

— Em uma obra de restauração em um imóvel tombado, temos necessariamente que ser fieis aos traços originais, mas, no caso de um museu, trabalhamos também com a expectativa do futuro, com a criação. Mais importante ainda é fazer o museu parte da cidade, não ser um corpo aleatório, e aí as janelas são fundamentais para estabelecer esse diálogo.

A ideia de levar a cidade para dentro do museu — e vice e versa — permeia projeto que está sendo preparado pelo curador Marcello Dantas para ocupação das salas de exposição. Dantas tem um vasto currículo relacionado à vanguarda, ao uso da tecnologia como elemento artístico e à arte popular. Ele foi o responsável, por exemplo, pela vinda do artista plástico e ativista chinês Ai Wei Wei para mostrar sua arte arrebatadora no Rio e em São Paulo em 2019. É ele também o idealizador do Museu da Serra da Capivara (PI) e foi diretor do Museu da Língua Portuguesa (SP) entre 2001 e 2006.

— A beleza desse processo que estamos fazendo é ser inclusivo no que diz respeito a memória.  Se separar da narrativa de opressão e fracasso e identificar historias inspiradoras e com potencial de identificação mais forte. Existem camadas e camadas de identidade escondidas por debaixo da historia oficial.  Basta querer ouvi-las — diz Marcello, escolhido recentemente como curador da Bienal do Mercosul a se realizar no México. — O museu deve construir um acervo da identidade da região, com sua história natural, seus personagens humanos, sua vocação criativa e com isso servir de espelho para a sociedade do seu entorno.

Depois completa:

— O museu é um dos equipamentos mais inclusivos e potencializadores de cultura e educação.  Uma entidade do nível que estamos planejando eleva o ensino e a reflexão de origem e identidade para um outro patamar.

“Existem camadas e camadas de identidade escondidas por debaixo da historia oficial. Basta querer ouvi-las” (Marcello Dantas)

No caminho até a abertura da casa, prevista para o segundo semestre de 2022, muita pedra vai rolar. Estão previstas ações de produções de arte com a comunidade, residências artísticas, concursos, abertura de espaços e muita pesquisa de conteúdo. Ronaldo Cézar Coelho não descarta expor no Museu parte de sua coleção particular, que incluí um dos maiores acervos de arte sacra e arte popular do Brasil, mas diz que a prioridade é outra:

— Minha prioridade é fazer algo em que o povo do Vale do Café se reconheça e que possa ter repercussão de longo alcance — diz o empresário, que ainda outro dia teve uma obra de sua coleção, “Composição – Figura Só “, 1930, de Tarsila do Amaral, cedida em comodato ao MASP, provocando fila de dobrar esquina na Avenida Paulista — De muitas maneiras, o Museu Vila de Vassouras vai fazer história!

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