Manoel Congo e Mariana Crioula, que lideraram importante revolta de escravos em Vassouras, ganham mural no Morro da Providência, no Rio
Por João Carlos Pedroso
@renatobarbosafotografia
Dois personagens fundamentais na luta contra a escravidão no Vale do Paraíba estão impressos em cores vivas e fortes nos muros do histórico Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro. Manoel Congo e Mariana Crioula são figuras centrais do “Mural das Lutas Afro-brasileiras”, obra realizada por três grafiteiros e que se divide em dois painéis voltados à luta e identidade de negros escravizados: um de 70 metros quadrados no pátio do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), que é centrado na Revolta dos Malês (Salvador, 1835) e a já citada continuação de 30 metros quadrados na Fábrica Brinx, no Morro da Providência.
O mural foi idealizado por Leandro Santanna, diretor do Muhcab, e feito com recursos da Secretaria de Estado de Cultura, por meio do edital Rua Cultural. Leandro destaca a importância dos personagens e o cuidado na produção dos murais:
— Os artistas criaram cenas e personagens importantes neste processo, celebrando heróis e heroínas que lutaram pela conquista da liberdade no Brasil — disse ele.
Manoel Congo (o uso do tipo de “sobrenome” era comum entre os vendedores de escravos e faz referência à sua origem na África) foi líder da maior rebelião de escravos do Vale do Paraíba, em 1838. Indignados com o assassinato de um cativo, mais de 80 deles se revoltaram e fugiram para a mata, ganhando depois o reforço de escravos fugidos de outras fazendas — o número final chegou a mais de 400, ocupando região onde hoje de localiza o município de Paty do Alferes. Mariana Crioula, mucama (escravizada que trabalhava no interior da casa dos senhores), estava no primeiro grupo de fugitivos, e logo ela e Manoel foram considerados “rainha” e “rei” do movimento.
A Guarda Nacional foi acionada e, fortemente armada, localizou e travou uma batalha com os fugitivos, capturando Manoel (que foi ferido) e Mariana. Manoel Congo foi julgado, condenado e enforcado em 4 de setembro de 1839. Mariana Crioula, apesar de ter dito que “preferia morrer a voltar a ser escrava”, foi poupada, como a maioria dos revoltosos capturados. Não por justiça, mas para não dar maiores prejuízos aos senhores. Mariana retornou para a fazenda e viveu uma vida de clausura e eventuais castigos físicos.
Cazé, Kajaman e Juliana Fervo foram os artistas escolhidos para o projeto, que teve curadoria de Mariana Maia e pesquisa de Pedro Rajão (Negro Muro). Juliana se sentiu honrada em participar do trabalho e ressalta a responsabilidade envolvida:
— O convite surgiu pelo Muhcab, para representamos as Lutas Afro-brasileiras, fazendo um painel no Museu e outro no Morro da Providência — afirmou a artista. — Tivemos um pesquisador no projeto que nos ajudou sobre a história, mas pesquisei também para ter identificação com os acontecimentos sob o meu ponto de vista, perante todo o significado de determinação e coragem dos personagens.
O pesquisador e produtor Pedro Rajão, do Projeto Negro Muro (ao qual pertence Cazé) ressalta a importância das figuras históricas e do local escolhido para o mural:
— O projeto Negro Muro em si busca retratar os personagens dentro dos seus bairros, seus territórios. Dessa vez não foi assim porque foi uma encomenda do Museu. Foi uma das revoltas negras mais importantes do Brasil e, em especial, do estado do Rio. O Morro da Providência, sendo esse território fundador, primeira favela, tem toda uma conexão histórica bonita da gente celebrar e foi uma excelente escolha.
A realização dos painéis é mais um exemplo do transbordamento da história e da cultura do Vale do Café para cidades vizinhas e para o Rio de Janeiro. Manoel Congo possui um Memorial na cidade de Vassouras, onde é possível saber mais sobre sua história de lutas e ideais. Mariana Crioula batiza uma creche em Massambará, nos arredores de Vassouras, bem como uma maternidade em Acari, no Rio de Janeiro.
Agora dois heróis da luta pela liberdade no país estão eternizados em perfis que exalam dignidade e coragem. E — nesse mês em que se comemora a Consciência Negra — representam também a História de nossa região.
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