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Grãos de alta qualidade marcam o retorno da cafeicultura ao Vale do Café; experiências permitem aos visitantes conhecer todo o circuito da bebida, da planta à xícara

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Grãos de alta qualidade marcam o retorno da cafeicultura ao Vale do Café

Por Kamille Viola

Até poucos anos atrás, quem visitava o Vale do Café muitas vezes sofria uma decepção: a despeito do nome, o lugar — que já chegou a produzir 75% do café consumido no mundo — não produzia a bebida, ou ao menos não para comercialização. O período áureo do plantio e comércio na região do Vale do Paraíba — entre 1850 e 1890 — foi seguido de uma abrupta decadência, causada, entre outros fatores, pelo fim da escravidão, a migração dos investimentos para São Paulo (com mão de obra de imigrantes) e a deterioração do solo, fruto de décadas de plantio predatório. Até que em 2015 um projeto do Sebrae começou a revitalizar a cafeicultura na região — e tudo começou a mudar. Hoje, o turismo no vale, que tem na visitação às antigas fazendas de café uma de suas maiores atrações, ganhou um incentivo a mais: cafés de alta qualidade, da espécie arábica, em experiências que permitem aos visitantes conhecer todo o circuito da bebida, da planta à xícara.

Datada de 1836, a Fazenda União, em Rio das Flores, foi uma das primeiras participantes do projeto Vocações Regionais da Cafeicultura Fluminense do SEBRAE. O que parecia arriscado na época, mostrou-se um acerto:

— Recebo muitos estrangeiros no hotel, e eles perguntavam: “Cadê o café?”. Hoje eles têm o que ver, o que provar, o que comprar, que é o nosso café, produzido na própria fazenda. Turisticamente, somou muito. O pessoal gosta de visitar o cafezal. Quando a gente faz a torra do café, o cheiro é contagiante. A ideia era essa e foi muito bem-vinda, conta Mário Vasconcelos, proprietário do lugar desde 2007.

A produção é basicamente para consumo no hotel-fazenda, que faz parte da associação Roteiros de Charme, e venda para hóspedes e visitantes, mas o Café Fazenda União, um café gourmet da variedade catuaí vermelho, acaba indo mais longe.

— Agora nesta semana, por exemplo, recebemos gente de Brasília, Goiás, Pernambuco, e eles compram o café. Daqui a pouco me escrevem por email perguntando se não tem como mandar pelo correio, que gostaram muito  do café. Então ele acaba viajando o Brasil por Sedex — diverte-se Mário.

Atualmente com dois hectares de plantação, ele pretende aumentar a produção, mas por conta da pandemia os planos foram adiados.

A Fazenda Florença, em Valença, começou a cultivar café em 2017 e em 2019 colheu os primeiros frutos. Paulo Roberto dos Santos, dono do lugar desde 1997, cultiva o café da variedade catuaí, mas possui um jardim de variedades que também conta com os tipos bourbon, sumatra (“que é um café muito raro”, conta), typica (“o primeiro tipo de café que foi introduzido no Brasil, em 1727”), maragoji e arara. Atualmente, ele comercializa o Café Vale do Café, classificado como especial, e aguarda para breve o registro do nome Café Florença. O café já participou de alguns concursos, tendo ficado em primeiro lugar no estado do Rio e em oitavo lugar do Brasil no concurso da Abic — Associação Brasileira da Indústria de Café em 2020. Além da venda no próprio local, o produto também acaba sendo arrematado nos concursos dos quais participa.

A fazenda, datada de 1852, hoje abriga um hotel e possui um museu em sua casa-sede. Também integra os Roteiros de Charme. O café é servido aos hóspedes e visitantes, inclusive em uma cafeteria localizada em pleno cafezal. São cinco hectares plantados.

— A pessoa vem aqui, conhece um cafezal, vê o processamento do café e depois vai conhecer a história do café no Brasil, porque o café não é da flora brasileira, ele foi introduzido aqui. Nós contamos desde como o café chegou das Guianas, porque o café arábica é da região das montanhas da Etiópia, até os nossos projetos e o estágio atual da cafeicultura fluminense — explica o fazendeiro.

Se no passado a monocultura do café desmatou a região e esgotou seu solo, com queimadas e o chamado plantio morro acima (que tinha como objetivo facilitar a vigilância sobre os escravizados e fazia com que a água das chuvas levasse os nutrientes do solo e acelerasse a erosão), hoje a sustentabilidade é dos pilares dos produtores do vale.

— Uma preocupação do projeto atual é plantar, quando em morro, em curvas de nível (processo ajuda a conservar o solo contra erosões e contribui com o escoamento da água da chuva) e intercalar entre os pés de café mudas de outras árvores, para poder criar um corredor verde, favorecendo o meio ambiente — descreve Paulo Roberto dos Santos.

E completa:

— Além das folhas e galhos dessas árvores fertilizarem naturalmente o solo, elas também atraem insetos que que acabam sendo uma proteção natural contra fungos e outros predadores. A joaninha, por exemplo, destrói alguns fungos, é importantíssima nessa cadeia.

Também aberta a visitação e hospedagem, a Fazenda Aliança Agroecológica, em Barra do Piraí, produz o Café Durini, que além de especial é também orgânico. Fundada em 1861, com o nome de Fazenda Boa Esperança, a propriedade tem como um dos destaques o circuito de produção de café, que foi preservado ao longo dos séculos.

— Nós temos um terreiro que é uma espécie de quebra-cabeças de pedras imensas e tivemos a sorte de encontrar a fazenda com essa joia de todo o circuito de café. Estava tomado pelo mato, mas não precisamos fazer restauros, apenas uma limpeza geral. Somente na tulha (lugar onde se descascava e depois se armazenava o café) foi necessário restaura — descreve a proprietária Josefina Durini, desde 2007 à frente do local, lembrando que a descoberta do terreno surpreendeu os técnicos – O professor Flávio Borém (da Universidade Federal de Lavras, contratado pelo Sebrae para apoiar as fazendas na revitalização da cafeicultura) ficou emocionado quando viu, não acreditou que estivesse ainda tão bem preservado. Ele falou que só tinha visto algo assim em desenhos de livros.

Josefina começou com catucaí, mas conta que a maior parte de sua produção será da variedade arara. Atualmente, seu cafezal ocupa três hectares, mas está planejando expandir para mais um.

— No estado do Rio, eu não sei se existem outros cafés orgânicos. Eu não encontrei. Você entra na internet e não acha. Por isso, antes da pandemia, muitas cafeterias e lojas da cidade do Rio, sabendo que eu tinha café orgânico, queriam comprar meu café. Eu quase não consegui vender, porque vendia tudo na fazenda.

Vista aérea da Fazenda Aliança, em Barra do Piraí, que produz café especial e e orgânico | Divulgação/Stephano Petroni

Diferenças entre as classificações do café

O café tradicional, vendido em larga escala e preços mais baixos, geralmente é composto por grãos conilon da espécie Robusta ou uma mistura entre Robusta e Arábica, e tem defeitos e impurezas que alteram o sabor. Por isso, normalmente passa por uma torra bastante escura e uma moagem bem fina.

Café gourmet é uma categoria de classificação de café torrado e moído criado pela Abic. Feito apenas a partir da espécie arábica, considerada mais nobre, tem qualidade superior ao tradicional também por conta de particularidades na produção, como o menor tempo de torra, o que preserva o açúcar natural do grão. O café superior em geral é feito com 100% de arábica (podendo conter no máximo 15% de robusta) e conter um máximo 10% de grãos defeituosos

Já o café especial também é feito somente a partir de grãos de arábica, precisa ter certificação socioambiental e obter no mínimo 80 pontos (em uma escala que vai até 100) de acordo como a Metodologia de Avaliação Sensorial da SCA — Specialty Coffee Association (ou da BSCA — Associação Brasileira de Cafés Especiais), que analisa quesitos como doçura, acidez e corpo, entre outros.

Fazenda Aliança em novos tempos: pés de café em curvas de nível | Divulgação/Stephano Petroni

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