Grandes projetos e iniciativas individuais se juntam para transformação ambiental no Vale do Café
Por Luísa Avelino e Lívia Valle
Tatu, onça-pintada, jaguatirica, mico leão dourado, periquito, rã de vidro, tucano, cobra-coral, bromélia, jatobá, peroba, jambo, imbaúba, quaresmeira, ipê — escondidos no que restou da mata alta e fechada, muitas das espécies ganham impulsos de sobrevivência na floresta que cobre grande parte do litoral do Brasil, estendendo-se por 17 estados. Enquanto no Congresso Nacional tramita projeto que esvazia as regras de proteção da Mata Atlântica, a região do Vale do Café, impulsionado por novas visões de preservação, turismo e negócios, vê surgirem mais e mais iniciativas de valorização do nosso bioma natural.
As florestas atlânticas são, hoje, cerca de 7% do que eram há pouco mais de dois séculos, mas abrigam, em áreas adjacentes, cerca de 60% da população brasileira. Muito da cultura, tradição, pesquisa, biodiversidade e identidades nacionais vem dali. Dia 27 de maio é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. No novo Vale do Café, todo dia é dia de Mata Atlântica.
Com um histórico de mau uso da terra por anos através do cultivo predatório do café e posterior utilização dos pastos para gado, o Vale do Paraíba é uma espécie de cartão postal às avessas dos cuidados com a ecologia e o meio ambiente: topo dos morros pelados, fissuras de assoreamento, voçorocas, queimadas, solo devastado e trechos onde parece que o verde não conseguiria vingar. No pensamento de muitos que utilizaram as terras da região para pecuária, as terras tomadas pela mata são consideradas “terras sujas”. Menos de duas décadas de degradação tiveram a capacidade de deixar marcas por mais de 100 anos.
Isso tudo pode estar mudando.
Trazendo a memória dos que ainda desfrutaram das belezas da região, com avós que nadavam nas águas do rio Paraíba do Sul e bisavós que avistavam um verde infinito nos campos, moradores e pessoas que escolheram a região para viver e empreender, investem na restauração de diversas áreas, alimentando um sonho de rever o esplendor das Mata Atlântica. É a moeda verde fazendo o Vale do Café girar.
Mendes
Nancy Amaral é um exemplo de atuação individual que coloca em prática o sonho de recuperar o cenário verde do Vale do Café. Gestora de uma delicatessen, adquiriu pequena propriedade na cidade de Mendes, em cenário nitidamente degradado. Ali começou, ela própria, a plantar mudas de árvores e frutíferas, como laranjeiras, tangerinas e jambeiros. Ainda em estágio de crescimento, as ela se orgulha do frescor que o ambiente já possui e vislumbra o pomar que certamente será usufruído por seus netos, sobrinhos e membros das futuras gerações.
Rio das Flores
Desde 2008, Eli e Cilene, proprietários da Cachaça Werneck, vem desempenhando um papel crucial na recuperação da Mata Atlântica na região. Conscientes dos impactos da degradação do solo, resultado de décadas de cultivo do café e criação de gado, eles decidiram reverter esse cenário. O primeiro passo foi plantar 1.500 mudas de espécies, proporcionando uma nova vida ao ambiente fragilizado. Anos de dedicação e cuidado transformaram a propriedade. Atualmente, mais de 50% do espaço é ocupada por uma área preservada de Mata Atlântica. Além do plantio de mudas, outra conquista foi a restauração da mata ciliar ao longo do Rio das Flores, isso também contribuiu para a preservação das nascentes.
Miguel Pereira e região
Criado por Mauricio Ruiz, o Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA) é um órgão importante para a região, com atividades que aliam preservação da mata com inclusão social. Desde sua criação em 1988, já conta com mais de 4,5 milhões de árvores plantadas. Apesar de atuar em outras áreas, o instituto está presente em todas as cidades do Vale do Café, com um trabalho que vai além da questão ambiental, como o “Produtores de Água e Floresta”, que envolve pagamento por serviços ambientais e o “Viveiro-Escola”, que funciona em Piraí.
Vassouras
Instituto São Fernando
Criado em 2001, o Instituto São Fernando, teve seu início com a intenção de recuperar a Fazenda São Fernando, que já foi uma grande produtora de café. A cada ano é escolhida uma região da fazenda para replantio e retomada da mata. São as “manchas”, como define Marcos Nogueira, administrador da fazenda e coordenador do projeto.
— Buscamos mudas de espécies originárias e investimos em técnicas sofisticadas de replantio — disse ele.
A opção foi pelo plantio de cada muda, uma a uma , o que requer maior investimento e demanda maior tempo – resulta em processos mais controlados e de maior sucesso que o simples espalhamento das mudas. O uso do “gel de plantio” garante um maior índice de “pegada” e possibilita o avanço com um maior número de mudas replantadas. Para se ter uma ideia, a cada “investida”, podem ser replantados 1500 novos ipês (amarelo, branco e roxo) ou 600 novas mudas de sapucaia.
Desde o início do projeto, já foram plantadas 250 mil mudas, com um índice de pagamento de 86%. Em 2023 foram novas 20.000 mudas.
Veja abaixo o antes e o depois.
Fazenda São Luiz da Boa Sorte
O casal Liliana Rodriguez e Nestor Rocha, além de investir na recuperação histórica da Fazenda São Luiz da Boa Sorte, também se dedica a projetos ambientais na propriedade. Os dois criaram o Projeto Mata d’Agua, com intuito de recuperar as nascentes através do plantio de espécies nativas. “Nos inspiramos nas técnicas do suíço Ernest Gosh, de agricultura sintrópica, para retomar a diversidade da área”, conta Nestor. Em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), foi criada uma área cercada dedicada ao replantio de árvores frutíferas e espécies originais da Mata Atlântica, onde o aumento do fluxo das nascentes já é visível. O espaço também é dedicado a programas pedagógicos, em que crianças de escolas podem visitar, participar do plantio e compreender a importância da preservação da floresta.
Engenheiro Paulo de Frontin
Uaná Etê
Uaná Etê Jardim Ecológico, é um exemplo vivo do compromisso com o meio ambiente. Um área de pasto transformou-se um jardim ecológico, trabalho coordenado por Cristina Braga e Ricardo Medeiros com o plantio de mais mais de 100 mil mudas originais da Mata Atlântica. A variedade de árvores, como sapucaias e quaresmeiras, mostra o cuidado com a diversidade em oferecer um espaço de contemplação e lazer na natureza. Em comemoração ao Dia Nacional da Mata Atlântica, o Uaná Etê promove o plantio de 43 árvores em uma área que ainda não é aberta à visitação. “Percebemos o retorno de abelhas, insetos, borboletas e pássaros”, disse Cristina Braga.
Fazenda das Palmas
Na Fazenda das Palmas, a preservação da Mata Atlântica é uma preocupação constante. Desde a aquisição da fazenda em 2010, Luiza Braga concentrou esforços no replantio de espécies nativas em áreas que antes eram utilizadas como pastagens. Além disso, as zonas destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar também têm medidas sustentáveis. Para evitar a formação de monoculturas, que podem trazer desequilíbrios ecológicos, foram estabelecidas “ruas” de bananeiras e outras árvores frutíferas intercaladas nas plantações de cana.
Barra do Piraí
Na Fazenda Alliança, a consciência ambiental também é a bola da vez. Josefina Durini conta que ao adquirir a propriedade já existia uma área preservada de Mata Atlântica, que correspondia a 43% do terreno, porém, com os projetos de restauração, estima-se que cerca de 50% da fazenda estejam cobertos pela mata. Para proteger as encostas mais íngremes, a fazenda foi cercada, impedindo a entrada do gado e permitindo a rápida recuperação da área.
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