Álbum reúne preciosidades do jongo, ritmo que nasceu e sobrevive na região
Por João Carlos Pedroso
Se o Vale do Café tem uma trilha sonora, ela é sem dúvida o jongo. O ritmo de origem africana nascido nos quilombos e senzalas traduz em sua força ancestral resiliência e dor, alegria e revolta, picardia e arte. E ganha um registro fundamental com o lançamento do álbum “Jongo do Vale do Café”, precioso registro que reúne 32 pontos ancestrais gravados ao ar livre em plena floresta com vozes que são símbolo de resistência.
O projeto foi idealizado e tem direção musical (em parceria com Thiago da Serrinha) do pesquisador e músico Marcos André Carvalho. “A ideia desse disco surgiu há 18 anos, quando realizamos o primeiro álbum do Quilombo São José. Porém, por causa de uma ventania, a gravação não ficou a contento. Ao longo desse tempo, com muita persistência e estudo, chegamos finalmente à conclusão desse trabalho”, diz Marcos, lembrando que o jongo nasceu no Vale do Café.
“As suas origens são de Angola, dos negros da nação Banto, que vieram escravizados para o trabalho nas fazendas de café. Nas senzalas e nos cafezais o jongo nasceu. De matrizes africanas, mas nascido no Vale do Café”.
A seleção das faixas foi feita ao longo da vida de Marcos no jongo. São 28 anos já de dedicação ao ritmo ancestral — é membro do Jongo da Serrinha. A intenção na escolha foi mostrar uma variedade melódica e de temas poéticos, mostrando a maior diversidade possível. Todos os pontos são centenários e remontam aos tempos da escravidão.
Marcos explica a opção por gravar ao ar livre. “Queríamos captar toda a espontaneidade, toda a energia, todo o axé de uma roda de jongo. Como são artistas populares, isso tudo poderia se perder dentro de um estúdio. Por isso fizemos a gravação no Quilombo São José, em Valença. Ficamos ali hospedados por cinco dias, cerca de 100 artistas quilombolas, para que essa gravação pudesse acontecer de forma tranquila, lenta, num clima de uma festa comunitária. E isso certamente reverberou no resultado. Um clima familiar, de comunidade”, aponta.
O diretor musical ressalta a característica do jongo como canto de resistência. Afinal, foi criado pelos escravizados em um momento triste da nossa história. “Ali eles combinavam fugas, zombavam dos senhores, desabafavam aquele sofrimento. Era um lamento, uma estratégia de resistência e uma forma de comunicação cifrada e enigmática. Foi uma ferramenta muito importante de luta contra a escravidão e também de afirmação da identidade e de celebração e união da comunidade em torno de sua herança ancestral, mantendo o vínculo com a África”, aponta.
Além disso, o jongo também é um dos pais do samba carioca. “Ele é fruto do encontro dos negros jongueiros que desceram do Vale do Café após a falsa Abolição para fundar as primeiras favelas cariocas com os baianos que vieram também para o Rio, ocupar a Praça Onze, Tia Ciata e outras tias. O encontro dessas duas matrizes deu origem ao samba carioca. A parte baiana é muito estudada e ressaltada, mas a parte jongueira ainda não. O álbum chega também para ajudar a identificar e destacar essa importante contribuição do jongo para o samba carioca”.
Marcos ressalta que esses importantes polos de cultura ancestral seguem vivos e pulsantes. “O Quilombo São José, em Valença, O Jongo de Pinheiral, o Grupo Sementes da África, em Barra do Piraí, o Grupo Jongo Renascer, de Vassouras, o Grupo de Jongo de Arrozal. São verdadeiros quilombos, que realizam diversas atividades de arte e educação e realizam eventos, atraindo turistas do mundo inteiro. Então o álbum também vem dar visibilidade a esses núcleos e a esse roteiro, que é o Circuito Afro do Vale do Café. Protagonizado por essas comunidades que agora querem se mostrar para o mundo com seus museus, suas escolas de jongo e também os seus centros turísticos, gerando renda e sustentabilidade para seus moradores e, consequentemente, a salvaguarda do jongo. Uma comunidade próspera e feliz. O jongo vai sobreviver!”.
Deixe seu comentário